Remendo de pano novo em roupa velha

JOSÉ ARGEMIRO DA SILVEIRA

de Ribeirão Preto, SP

"Propôs-lhes também uma parábola: Ninguém tira remendo de manto novo e o põe em manto velho; senão rasgará o novo, e o remendo do novo não combinará com o velho. E ninguém põe vinho novo em odres velhos: senão o vinho novo arrebentará os odres e ele se derramará, e estragar-se-ão os odres. Ao invés, vinho novo deve ser posto em odres novos" (Lucas: 5: 36 a 39).

As palavras acima foram pronunciadas por Jesus, a propósito da pergunda que lhe fizeram acerca do jejum que os discípulos de João Batista observavam e os de Jesus não.

O jejum, mais do que a abstenção do alimento, valia pela expressão facial da tristeza, pelo óleo que derramavam no cabelo, deixando que escorresse pela barba, pela cinza com pulverizavam a cabeça e as roupas. Tudo para dar a impressão de grandes penitentes. O jejum fazia parte das formalidades exteriores que os escribas e fariseus de Jerusalém faziam questão de observar. Não lavar as mãos antes da refeição, não trabalhar no dia de sábado eram outros pontos importantes sobre as quais se erguia o edifício de escrúpulos e sutilezas farisaicas. Com a mesma razão, Jesus desprezava uma série de prescrições modernas, que a tradição havia acrescentado à Lei, e que, por isso mesmo, eram as mais caras aos devotos. As abluções, as distinções sutis demais entre coisas puras e impuras não encontravam a aprovação do Mestre. "Podeis também", lhes dizia ele,"lavar vossas almas? O homem se emporcalha não com o que come, mas com o que sai de seu coração".

O significado do texto transcrito de início consiste na impossibilidade de adaptar-se à Boa Nova as velhas doutrinas israelitas. O candidato à nova doutrina de Jesus deverá abandonar totalmente todas as suas crenças antigas, sem o que jamais poderá compreender todo o alcance do que Jesus ensinou.

As organizações criadas pelos homens, incluindo as religiões, são conservadoras. Não aceitam modificações. Daí o fato de que a revelação das leis divinas ter vindo ao nosso planeta por outros meios. A primeira grande revelação, o decálogo, veio através de Moisés, no Monte, e não nos cultos organizados. A revelação cristã, com Jesus, que ensinava nas praias, no Monte, em todos os lugares. E que não era ligado ao Templo, à religião oficial de seu tempo. A doutrina espírita, codificada por Allan Kardec, um professor, interpretando os ensinos dos Espíritos, sem ligações com as escolas religiosas da época.

Não colocar remendo de pano novo em roupa velha significa que o evangelho não poderia adaptar-se às crenças judaicas. A Boa Nova se perderia se pretendesse brotar e produzir no terreno já cultivado por outra crença.

O ser humano, no atual estágio evolutivo, é inseguro, agarra ao que já conquistou, e tem dificuldade para alcançar patamares mais elevados. É difícil nos libertarmos de conceitos e hábitos antigos, para acolhermos novos ideais, renovando-nos. Até no cristianismo primitivo observamos vestígios desse conservadorismo. Alguns dos apóstolos praticavam o batismo de água, Paulo, discordando, afirmava: "não vim para batizar, mas sim para evangelizar". Alguns apóstolos apegados às tradições da circuncisão alimentavam sentimentos favoráveis à continuidade dessas práticas. Paulo a combatia, dizendo que se tratava de preceitos de homens e não de Deus. Apesar das divergências, com dedicação total ao ideal abraçado, a fé e o amor no divino Mestre, aqueles homens valorosos souberam superar os obstáculos e, heroicamente, deram a grande contribuição para a consolidação dos ensinos de Jesus. Entretanto, depois do 3.° século. foram sendo introduzidas nas religiões cristãs os ritualismos e práticas exteriores que vigoravam antes de Jesus.

Na atualidade também podemos observar nossa dificuldade em acolher os ensinos dos Espíritos superiores, que recordam e explicam a doutrina de Jesus, sem mesclá-los com práticas, rituais e formalismos das religiões tradicionais. São conceitos e hábitos antigos, arraigados no íntimo das individualidades, que falam mais alto, dificultando a renovação. A pessoa abraça o Espiritismo, mas não quer dispensar cerimônias como casamento, batizados, etc.. Outras vezes, alguns dão às práticas espíritas uma conotação ritualística. O passe, a água fludificada, quando se tornam rotina, e passam a constituir quase uma obrigatoriedade estão se tornando um ritual. O sábado foi feito para o homem, e não o homem para o sábado, disse Jesus, respondendo àqueles que o criticavam por trabalhar no dia de descanso. Parodiando, podemos dizer que o passe, a água fluída, são para quando a pessoa estiver necessitando, como um remédio que só se toma quando está doente, e não ficar com aquele compromisso de tomar passe todas as semanas, etc..

A evolução espiritual, o despertamento da consciência, é um processo de crescimento e, portanto, de substituição de conceitos e de hábitos. A medida que vamos evoluindo, vamos compreendendo outros aspectos da realidade, e, conseqüentemente, deveremos nos comportar de maneira compatível com as novas conquistas. Assim como o adulto renuncia os brinquedos do tempo de criança, o Espírito, a medida que vai se tornando adulto (evoluindo) renuncia os caprichos, as fantasias, as ilusões dos tempos passados. Usamos uma escada para atingir um ponto mais elevado. Chegando àquele ponto, para continuarmos subindo, precisamos conseguir outra escada que nos possa servir ao nosso objetivo, e a escada anterior ficará para trás, abandonada. Assim o despertar da consciência. A medida que conquistamos patamares mais elevados renunciamos os anteriores."Quem quiser vir após mim," disse o Mestre, "negue-se a si mesmo, tome sua cruz e siga-me". Negar a si mesmo é renunciar o homem velho, conceitos e costumes antigos, para adoção de novas posturas, novos paradigmas. O vinho novo pode estourar o odre velho. É necessário nascer de novo, da água, e do Espírito, isto é, renovarmos em Espírito, buscando a evolução, e renovarmos também materialmente (pela reencarnação) porque uma existência só não basta para o cumprimento desta grande empreitada.

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